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O Estado Crítico da Crítica

Se o dia 8 de setembro não é o Dia do Crítico, ao menos é o do aniversário de Juarez Fonseca. Ao resgatar a importância da leitura de críticas de música, teatro e cinema, Antonio Meira homenageia aquele que considera um dos maiores críticos de música do Brasil, Juarez Fonseca. Completando cinquenta anos de jornalismo, Juarez cumpre uma trajetória de êxito no meio editorial da música, tornando-se uma referência.

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Ninguém gosta de ser criticado, é fato. Em casa, no trabalho, na reunião de condomínio ou na faculdade, o desconforto de ouvir alguma reparação é quase um sentimento popular. E no meio artístico então, quem dá o braço a torcer expondo sua arte, sua obra ou sua performance a uma infinidade de avaliações?

Mal sabia contar minha idade direito quando me tornei ouvinte frequente de música. Já na adolescência aproveitava as avaliações semanais de críticos especializados para saber sobre novidades do mundo musical. Como também das críticas de cinema ou de teatro, para bispar escolhas sobre o que assistir. Cheguei até a recortar e colar algumas num caderno e acumulei críticas em todas as páginas. Aliás, sempre achei meio curiosa a percepção ambivalente que alguns músicos tinham sobre “críticos de música”, como se o papel do crítico fosse o de simplesmente “falar mal”. Será que era pelo “poder” de ouvir um disco em primeira mão, antes de todo mundo? Relações de amor e ódio temperadas ao sabor das críticas.

Nos idos da década de setenta eu não perdia as resenhas de jornalistas como Ana Maria Bahiana, Ezequiel Neves, Tárik de Souza e Antonio Carlos Miguel, dos que eu me lembre. Já em plena ebulição oitentista, a estes nomes se agregam Carlos Calado, Mauro Dias, Jamari França, Kiko Ferreira, Luís Antônio Giron, Irlam Rocha Lima, Zé Teles, André Forastieri, Pepe Escobar, Mauro Ferreira e mais uma porção de jornalistas com as antenas ligadas, algumas até hoje.

Mas vieram as transformações das décadas recentes na forma de produzir, distribuir e divulgar música. Toda uma geração de críticos se decompôs em formas alternativas ou paralelas de emitir opiniões e cobrir editorialmente o infinito universo de artistas que se movimentam na cena musical do planeta.

Mas afinal, para que serve (ou servia) a crítica? Ainda se lê (ou se escuta) a opinião ou juízo de valor sobre um disco, um Ep ou um show ao vivo?

Para quem tem vinte e poucos anos, a resposta é sim. Basta acessar ao canal The Needle Drop do youtuber Anthony Fantano. O cara ativa resenhas de discos há mais de dez anos, tem mais de dois milhões de inscritos no seu canal e aparentemente é a celebridade da vez em se tratando de “críticos de música”.

Mas se você tem mais do que 25 ou 30 anos e viveu a maior parte do tempo no sul do Brasil, a resposta é muito mais sim ainda. Basta procurar tudo que o Juarez Fonseca escreveu em seus 50 anos (…isso mesmo, cinquenta!) de atividade jornalística, amparado em seu conceituado espectro de crítico musical. Juarez faz 75 anos agora, neste dia 08 de setembro. Não só pela coleção de quase dez mil discos, mas pelos muitos livros, revistas, cds e fitas cassetes que possui, ele é um acervo de conhecimento e de matérias publicadas. Ouvinte atento, interessado e sobretudo assíduo, virou cinquenta anos dedicados ao jornalismo musical, e de modo muito especial, à música gaúcha.

Em dezembro de 2020 ele escreveu em sua coluna no jornal Zero Hora: “ando contrafeito com a “nova normalidade” do panorama da música. E a imposição dos singles desestabiliza minha forma de ver e sentir a música. Sou um cara do LP, do CD, do álbum físico, com seus encartes e epidermes. Resisti a escrever sobre álbuns apenas digitais. Mas na pandemia me dobrei. Os dois formatos têm que ser considerados”. Isso é que é jornalista raiz: destila convicção, mas pondera sobre nossa incapacidade de reter a avalanche digital. E antes que alguém me pergunte de onde ele veio, não finja que não faz diferença: gaúcho de Canguçu, que fica a 56km de Pelotas, onde vive Vitor Ramil, e a 82KM de Santana da Boa Vista, onde vive Luiz Marenco.

No início de setembro, ao divulgar sua coluna às sextas no Segundo Caderno do mesmo jornal, confessa para seu mailing: “… na próxima coluna voltamos com os álbuns. Na verdade não dou conta da quantidade de lançamentos digitais. Hoje todo mundo grava um álbum em casa e lança. Bom ou ruim? Sei lá…”.

Sempre é bom conversar com alguém que viveu esta travessia do impacto da tecnologia no mundo da música, com sua estranheza pré-digital sobre estas transformações. Mesmo que mal reconheça o jeito express de liquidificar música atualmente (produzir, distribuir, divulgar e comercializar), busquei com Juarez algumas considerações pontuais.

“Daquela geração (de grandes críticos…) isso acabou, não existe mais. Enfim, não tem mais, nenhum jornal tem mais um cara especializado. Acho que é uma coisa muito atomizada. Isso se espalha muito, não é uma coisa que concentre. E a música está assim, dessa mesma maneira, não está uma coisa concentrada, está espalhada. A gente não consegue acompanhar todas as coisas que estão acontecendo ao mesmo tempo no Brasil, nessa questão da produção musical do país. A gente está vivendo um entreato eu acho, estamos vivendo um período de redefinições das coisas, não sei onde vai parar, aonde vai chegar. O mundo todo está se comportando desta maneira assim, nesta parte em questão da música.”

A rotação disfuncional da maneira de se ouvir e consumir música, trouxe impactos que se somam também às alternâncias de gêneros e estilos. A gente costuma colar na década de 60, aquela do surgimento da fita cassete, o rótulo de “década dos festivais”. A de 70 foi dos grandes nomes da MPB, a de 80 a do boom do rock brasileiro, fones de ouvido e walkman. A de 90, com muitos segmentos ao mesmo tempo (rap, sertanejo, lambada e axé) é impactada aos poucos pela internet. E a década de 2000 criou bifurcações que só serviram para quebrar de vez estas referências aparentemente dominantes dos outros anos. Entra em cena o IPOD e o CD desce a ladeira. Distintas praias convivem entre achados e perdidos: forró, axé, sertanejo infantil, sertanejo pré-vestibular, sertanejo universitário, sertanejo acadêmico e por aí vai. Haja divã para tanta desconexão do jeito simples e organizado que a gente viveu um dia.

Fiz questão de enquadrar no retrovisor estas últimas cinco décadas, para poder saudar o cinquentenário editorial do Juarez. Perceberam? Lá estava ele, olhando pra frente, na primeira sexta-feira de setembro deste ano, discorrendo sobre a possibilidade de se reivindicar para a Califórnia da Canção Nativa (que em 2021 também completa 50 anos) o título de Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade pela Unesco. E uma expressão sempre presente na grande maioria de seus comentários recentes é “disponível nas plataformas digitais”. Este é um crítico que grafou suas impressões digitais no acervo de conhecimento que seu radar permitiu. Pois, como já confidenciou, não consegue mais dar conta de tudo que se produz. Ocorre que nem nós conseguimos, em meio a este imenso espaço de “dispersão”.

Coluna de Juarez no começo deste mês.

Do alto de seus 75 anos, se tornou impávido desbravador da causa gaúcha e brasileira em se tratando de música. É para ele então que vai o meu Troféu Academia Brasileira de Críticos. Se o estado da crítica é crítico, isto é resultado de uma era digital que facilitando acessos, contribuiu para a dispersão. O que não quer dizer que na próxima sexta-feira, não estarei mais uma vez diante das resenhas dele, lendo sobre lançamentos e novidades. A vantagem é que agora não preciso mais recortar e colar.

*Por Antonio Meira

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2 Responses

  1. Muito bom, Tonho. Parabéns ao Juarez pelos seus 75 anos e pela sua enorme contribuição a nossa cena cultural e à música produzida no Rio Grande do Sul.

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