materia-edital-ibge-1200x687

Bom Censo: os dados, a pandemia e a cultura no Brasil

Estamos atrasados em um ano na realização do censo, o último foi em 2010. Precisamos recontar quantos somos, saber mais sobre nós mesmos, atualizando informações fundamentais. Alguém poderia ler esta frase com uma narrativa mais sensível: “precisamos saber quantos sonhos, dizer mais sobre nós mesmos, para que se escrevam sobre nossas expectativas e transformações”. Pode ser também. É que a frieza dos números nos desvia de nomes e vidas. Estamos também em estado de choque, a pandemia nos obriga a uma contagem permanente de perdas. Mesmo assim é preciso contar, pois estamos lidando com coleta, análise, interpretação e divulgação de dados numéricos diariamente. Mas para além de toda e qualquer observação analítica, vale a constatação irresignada: muitas vidas poderiam ter sido preservadas.

Desde 2004 o IBGE vem desenvolvendo uma base contínua de informações relacionadas à cultura. Estas informações geram estatísticas, permitem quadros comparativos e fornecem subsídios para análise.

Num recorte mais específico das atividades econômicas, o Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (PERSE), mesmo que tenha sido aprovado com vetos, já é um primeiro passo para restaurar a saúde financeira do largo espectro de empresas de eventos.

Avançamos aos poucos mas é preciso redesenhar também as produções culturais de maneira especial. Equipamentos culturais fechados, artistas sem circulação, mercado engessado e produtoras asfixiadas, todo um ciclo de sustentação de atividades presenciais está respirando por aparelhos. Nos últimos 13 meses as agendas de programação já foram readequadas dezenas de vezes, compondo uma espécie de descalendário. E quanto mais tempo levar a retomada do setor, mais se avolumam estragos irreversíveis por endividamento, perda de empregos e de renda, sinalizando um colapso de proporções incalculáveis. Enquanto você pensa em buscar alento e ânimo para manter os sinais vitais da esperança, volta e meia ressurge aquele bordão repetido à exaustão, de que o setor cultural foi o primeiro a parar e provavelmente será o último a voltar.

Sobrevoando com nosso drone analítico a paisagem da paralisação, outros recortes pontuais sinalizam que tudo pode ser mais complexo do que sugere a mera operação rescaldo da pandemia. Já sabemos que o extinto Ministério da Cultura foi transformado em Secretaria. Primeiro subordinada ao Ministério da Cidadania e menos de um ano depois, transferida para o Ministério do Turismo. Nestes pouco mais de dois anos, foi chefiada por quatro secretários diferentes. Atualmente, o próprio Secretário Nacional de Fomento e Incentivo à Cultura, André Porciúncula, é quem decide sozinho quais projetos inscritos na Lei Federal de Incentivo à Cultura poderão captar recursos incentivados. Não só por isso, a grande quantidade de propostas aguardando homologação ou mesmo análise inicial, causa inquietação.

Outra imagem que nos causa desconforto é a das salas de espetáculos, teatros, cinemas e outros espaços que ainda permanecem fechados. Vazios por precaução, mas também por ausência de critérios na utilização em formatos híbridos. Estes comportariam um mínimo de plateia presencial, acrescidos de transmissão ao vivo via streaming. Nas quase sempre divergentes instâncias municipais e estaduais, cada qual com suas espécies de distanciamentos descontrolados, poucas opções surgiram para a utilização dos palcos ociosos. Menos ainda se incentivou o formato de “lives” como transição para a visibilidade provisória de artistas e da sua arte. Temos a quinta maior população idosa do mundo, e, de outra parte, mais de 40 milhões de jovens demandando iniciativas que despertem a tão rica e variada vocação cultural brasileira, uma das mais diversas do mundo. Ao mesmo tempo em que proliferam novas cepas do já nem tão novo coronavírus, o ritmo de vacinação prossegue devagar, ao sabor intercalado de solavancos na distribuição e descompassos na produção de vacinas. O “respeitável público” por enquanto monitora apreensivo a longa espera do momento da primeira ou da segunda dose, mas qual será a sua capacidade de investir em entretenimento e cultura quando “tudo isso passar”?

A hora é de partir para o bom senso: precisaremos de noções razoáveis para articular o ambiente da retomada com o máximo de sensatez possível. Caminhar sobre os escombros requer sensibilidade na recomposição dos negócios e no realinhamento da tão necessária efervescência cultural, universo que precisa ser recenseado. Sabemos das perdas, é verdade. Mas não temos precisão quanto aos trabalhadores das áreas de artes visuais, artes cênicas, cinema, música, do campo editorial e mesmo entre os próprios agentes envolvidos na cadeia de divulgação das artes (rádios, TVs, jornais e meios digitais). Quantos desistiram de seus negócios? Quantos migraram para outras atividades e quantos conseguirão suportar para tentar compartilharem do recomeço?

O censo busca estas informações na nossa casa. Na direção contrária, da nossa casa para o bairro, depois deste para a comunidade, até chegar no plano municipal e por fim à sua gerência no âmbito estadual, é novamente momento de restaurar a ativação de políticas públicas do setor cultural. Por lei, temos que recensear o país a cada dez anos. No ano passado, pedalamos o censo em função da pandemia e neste ano, por não haver previsão de recursos no orçamento do governo. Recentemente, o STF decidiu pela exigência do censo. Mas a AGU recorreu desta decisão, sugerindo que a pesquisa seja realizada em 2022. Em meio a este desconcerto, deu pra perceber que estamos sem censo e sem consenso.

Para quem acha que nosso guarda-chuva protetor de tempestades perfeitas não terá efeito sobre este mal tempo reinante, vamos seguir com fé. Em tempos estranhos em que os relatos de cientistas são comumente desprezados, mantenho o hábito de citações nos finais dos posts deste blog. Desta vez com a quase elementar conclusão do astrônomo americano Carl Sagan: “a expectativa de vida é provavelmente o índice mais eficaz da qualidade de vida: se você está morto, não deve estar se divertindo”.

Bom censo para todos nós! Quer dizer, bom senso pra todos nós!

*Por Antonio Meira

Compartilhar

Share on whatsapp
Share on facebook
Share on twitter
Share on pinterest
Share on linkedin
Share on print
Share on email

Leave a Reply

Your email address will not be published. Required fields are marked *